quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Da Matéria dos Sonhos



CRO, Flávio, Da Matéria dos Sonhos, 2007-(...)/2012, instalação em um quarto de um work in progress realizado com sacolas de compras recheadas com memórias.





Recebi um convite para apresentar um trabalho durante o aniversário de dois anos da Piolho Nababo, na Casa Vadia em Belo Horizonte, espaço que Fred Triani vêm mantendo como uma alternativa aos espaços culturais tradicionais de Belo Horizonte. O leilão é um projeto comercial-conceitual, impulsionado pelos artistas Froiid e Desali e animado pela irreverência dos leiloeiros Daniel Toledo e João Perdigão, no qual os lances de todos os trabalhos iniciam-se com R$ 1,99; o que é uma atitude de deboche frente aos grandes leilões, mas também irônica, pois o insere nos mesmos meios de validação capital da arte que são criticados, através do estabelecimento de um nicho comercial paralelo e fantástico. 










Leilão Piolho Nababo do Dia das Crianças, na Casa Vadia, com show da banda Absinto Muito.


A muito considerava que o trabalho Da Matéria dos Sonhos tinha muito em comum com as questões do Projeto da Piolho. Seu título advêm de uma passagem de A tempestade, de William Shakespeare (vol I, p. 48) "Nós somos feitos da mesma matéria dos sonhos."

O trabalho é apresentado como um work in progress, uma coleção de sacolas dependuradas, que do lado de fora pressupõem sonhos de consumo Pop - ou lixo - enquanto que, em seu interior, foram ensacadas memórias: de lugares que fui, coisas que achei, ou que ganhei, lembranças que guardei, etc.; todas prefigurando essa nossa compulsão pela preservação, mas que é, como a memória, incerta.

Cada sacola recheada de memórias recria as relações que tecemos em nossa mente, mas que, como elas, são incapazes de garantir uma verdade a nós mesmos ou àqueles que, movidos pela insana curiosidade, as adquirirem apenas para praticar uma arqueologia de suas entranhas, dentro das quais encontrariam apenas pistas que talvez sequer saciem suas vontades, ao montarem seus próprios quebra-cabeças...











CRO, Flávio, Da Matéria dos Sonhos, 2007-(...)/2012, instalação em um quarto de um work in progress realizado com sacolas de compras recheadas com memórias.




Montagem da instalação: Da Matéria dos Sonhos, durante o Leilão das Crianças, Piolho Nababo na Casa Vadia.

Ocupação de Carol Merlo, Rachel Leão e... Durante o Leilão das Crianças, Piolho Nababo na Casa Vadia.





Rachel Leão e... Durante o Leilão das Crianças, Piolho Nababo na Casa Vadia.



Carol Merlo e... Durante o Leilão das Crianças, Piolho Nababo na Casa Vadia.



Intervenções nas paredes da Casa Vadia.

Durante o evento um brechó se instalou na instalação...


Radharani Lenine intervindo experencialmente com o público da instalação-brechó.















terça-feira, 23 de outubro de 2012

Pão Nosso de Cada Dia




CRO, Flávio. Pão Nosso de Cada Dia, 2007 à 2012, instalação nas paredes, móveis e chão de um quarto de desenhos - recortes da paisagem urbana de Belo Horizonte - de esferográfica sobre papel de pão, mantendo o adesivo de preço da máquina eletrônica, dimensões individuais variadas.



Durante os anos de 2007 à 2012 mantive uma pesquisa visual - através de desenhos em papéis de pão - da paisagem urbana de Belo Horizonte. Ela adveio, materialmente, de outras duas séries: meus desenhos em papelão (http://flaviocro.blogspot.com.br/2010/04/referencias.html) e meus diários de desenhos em papelão e papel de pão (http://flaviocro.blogspot.com.br/2010/12/doacao.html).

Todo o meu movimento de deriva na cidade levantou diversas questões, sendo interessante notar que no mesmo período dessa pesquisa, também comecei uma outra pesquisa da cidade, baseada e geradora de princípios parecidos, mas realizando os recortes da paisagem através da fotografia o que também me possibilitou discutir fotograficamente a paisagem, de evento em evento, praça em praça, em visita a suas ruas; recortando elementos que compõem nosso dia a dia visual.  O trabalho foi batizado de Ausência da Presença (http://flaviocro.blogspot.com.br/2012/03/projeto-ausencia-da-presenca-objeto.html), e embora possua suas particularidades, também partilha do mesmo interesse pela cidade, além de expandir a vivência de muitas de suas problemáticas. 

Procurei criar algumas associações com o título do trabalho à religiosidade, a ideia de ganhar o pão, de vincular o preço do trabalho ao preço do pão, através da manutenção das etiquetas eletrônicas com o preço do pão...

A primeira oportunidade de mostrar o trabalho surgiu numa mostra que eu e Marconi Marques batizamos de Invasões Paralelas, ocorrida na Rua Romano Stochiero, 54, ap. 6; que foi possível graças a um Festival de Inverno, dedicado a Baco, organizado por João Flôr, que é vizinho do Shima, que divide um apartamento, no mesmo prédio, com Cleverson Salvaro no qual organizam diversas mostras contemporâneas.

Enfim... Depois de alguns anos me dedicando a produção poder notar como ela tomou conta de um espaço, absorvendo-o e "uniformizando-o" aos olhos do público, foi algo que suscitou ainda mais questões e novas propostas de impregnações...



CRO, Flávio. Pão Nosso de Cada Dia, 2012, desenho - recortes da paisagem urbana de Belo Horizonte esferográfica sobre papel de pão, mantendo o adesivo de preço da máquina eletrônica, detalhe de um dos desenhos, dimensões individuais variadas.




CRO, Flávio. Pão Nosso de Cada Dia, 2007 à 2012, instalação nas paredes, móveis e chão de um quarto de desenhos - recortes da paisagem urbana de Belo Horizonte - de esferográfica sobre papéis de pão, mantendo o adesivo de preço da máquina eletrônica, dimensões individuais variadas.



Invasões Paralelas – Montagem da Instalação Pão Nosso de Cada Dia por Marconi Marques e Clarice Cyrino.


Bete invadindo a instalação Pão Nosso de Cada Dia.


João dentro do pão.


Desmantelando a Instalação Pão Nosso de Cada Dia.



A pesquisa veio se desdobrando e dando vazão a diferentes formas de sua materialização, como podem ver nas imagens abaixo, um pouco antes, durante a campanha 4Climb, Arte do Climb. O saco de pão que a compõe foi posteriormente convertido no desenho, escolhido como detalhe da instalação e apresentado mais acima.  




CRO, Flávio. Pão Nosso de Cada Dia, 2012, fotografia digital de um objeto feito com saco de pão e blocos de carbonato de magnésio.


E logo depois, em outubro de 2012, quando fui convidado por Rafael Perpétuo para apresentar um trabalho durante o evento Baú 104, no estande Outros Livros e Afins. Nesse momento pude mostrá-la em sua forma de diário.

CRO, Flávio. Pão Nosso de Cada Dia, 2011 à 2012, diário feito com papéis de pão, parafusos, porcas e arruelas; cujo preço é a somatória dos valores impressos nas etiquetas eletrônicas, atualmente: O Caso do Acaso 17/08/2015 = R$1.103,63; anteriores: 4ª Bienal do Livro de BH 20/11/2014 = R$ 967,88; 1ª Ocupação Cultural de Sabará 23/11/2013 = R$ 790,04 Agência Status 18/11/2013 = 788,14; Baú 104 2ªed 16/12/2012 = R$ 227,90; Baú 104 1ª ed 10/2012 = R$ 206,55; 1ª apresentação 2012 = R$ 164,84.


 A banca Outros Livros e Afins, no Baú 104.




Durante o laboratório Permeabilidades, do CEIA, pude experimentar uma montagem parcial num dos espaços da FUNARTE, Casa do Conde, as questões levantadas podem ser lidas nesse link: 



 CRO, Flávio. Pão Nosso de Cada Dia, projeto de instalação (no chão) de desenhos de esferográfica sobre papel de pão e adesivo de máquina eletrônica, dimensões individuais variadas. 








segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Artes e Ofícios¹ - para todos



CRO, Flávio. Vivendo de ar..., 2010..., work in progress, esferográfica sobre volante de loteria e aposta; nesta versão: apostas feitas no dia e coladas como stickers, na parede, na entrada do galpão do Liceu de Artes e Ofícios em São Paulo. 



É interessante perceber a postura crítica sendo assumida neste espaço, uma vez que criticar é colocar sob o holofote, positivamente ou negativamente, demanda a lucidez de manter sobre aquilo que criticamos o foco, uma vez que como Anne Cauquelin nos avisa, ignorar é a postura crítica contemporânea por excelência, aquilo que aqui no Brasil conhecemos popularmente como "vácuo", no qual muitos já experimentaram o "limbo", que é temperado por um destino mais amargo do que ser merecedor ou desmerecedor do sentimento antagônico ao amor.


O que mais me chamou atenção na proposta do evento pode ser resumido na palavra coragem, ela foi necessária para a proposição/produção do evento, mas faltou em sua execução, no momento no qual foi necessária para assumir a própria proposta...

Ao me deslocar de Belo Horizonte para São Paulo, para essa oportunidade, que seria a minha primeira de expor no estado, diversas possibilidades de falhas vieram a minha mente, a exposição seria cancelada, seria um trote artístico, ninguém compareceria ou tudo estaria impregnado e não haveria espaço. Não me importava que estaria ao lado de "gigantes" da arte ou de meras "formiguinhas", uma vez que já varremos esses preconceitos – uma pena que foi para debaixo dos tapetes de alguns preconceituosos. O que não esperava foi o que aconteceu, chegar no segundo dia e descobrir, na fila, que uma das cláusulas do edital havia sido rasurada a canetinha, laranja, dessas escolares; não esperava encontrar outros artistas, que como eu viajaram somente para encontrar ,num portão fechado, as figuras do segurança bonzinho e do segurança malvado, dirigidos pelos membros de uma organização medrosa de se dirigir até nós – pelo menos foi a imagem que figuraram – e pedir desculpas pela atitude que escolheram assumir; não esperava conhecer Jac Leirnner assim, impotente para ajudar sua amiga do outro lado do portão, nem outros tantos artistas, desconhecidos por mim até então, que passaram por nós com vontade, mas impotentes e ainda tantos outros que só passaram, com medo de cruzarem conosco até olhares de pena ou indignação. E principalmente não esperava que num evento de arte o diálogo fosse cortado.

O que se cria com tal proposta então? Uma exposição nos moldes aceitáveis e institucionalizados que já cansamos de ver por ai, que pecou por não ousar se assumir, por abrir mão daquilo que a fazia questionar o grande evento paralelo à mesma, por se tornar uma fração do que havia para ser. Embora com todos esses defeitos, ainda assim ela nasceu e com ela tanto àqueles que ficaram de fora, quantos os que a adentraram foram capazes de estabelecer diferentes maneiras de participação, concreta ou virtual, não sei se re-estabelecendo o diálogo, uma vez que até o momento mantinha-se unilateral, mas talvez utilizando a arte para instigá-lo onde ele não se sustentava mais. Assim é o poder da polêmica, longe de apaziguar ela nos faz questionar nossas posturas, através dela somos levados a encarar a ignorância e a nos colocarmos sobre o foco, então dou graças ao simples fato dela ter existido, não deixando o diálogo morrer nas garras da besta ignorância...






Panorama das intervenções "clandestinas" na fachada do Galpão do Liceu de Artes e Ofícios durante a exposição: Artes e Ofício¹ - para todos; São Paulo, SP, Brasil.

domingo, 21 de outubro de 2012

O Quê é Real Pra Vc?


CRO, Flávio. O Quê é Real Pra Vc?, 2012, projeção de fotografia digital da apropriação de uma pichação anônima.

Apropriar... 

Desde seu nascimento a fotografia se apropria de nosso mundo visível criando recortes do mesmo, portanto minha primeira ideia para produção da imagem em questão foi me dirigir a exposição da semana da fotografia, no galpão 104 em Belo Horizonte e apropriar-me de outra de minhas fotografias que lá estava exposta, - apropriar-me de mim mesmo - mas por encontrá-la fechada minha tentativa frustrou-se. 

Voltando frustrado para o lugar no qual o carro estava estacionado – uma vez que queria mais do que "clicar" algo, ajudar a erigir um pensamento sobre o ato de se fotografar na atualidade - me deparei com duas intervenções urbanas, um sticker e uma pichação. Embora tenha fotografado ambas, a frase na pichação se apropriava dos questionamentos contemporâneos através dessa sugestão da subjetivação da realidade, afinal uma vez que o modelo de documento da verdade da fotografia declinou, através das dúvidas que o digital lançou, da impossibilidade de concluir o que seria este "original" na fotografia; seria o negativo? Os arquivos de dados? Cada uma das múltiplas cópias produzidas? 

Ao me apropriar de algo já apropriado penso contribuir para essa discussão da imagem, uma vez que a fotografia já nasce múltipla e multiplica suas questões ao se reproduzir em cada um que clica seus pensamentos em forma de recortes fotográficos.


Abertura da Mostra: Mosaico Minuto, Rio de Janeiro, RJ, Centro Cultural Justiça Federal - CCJF.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Das Impossibilidades do Autorretrato


CRO, Flávio. Das Impossibilidades do Autorretrato III, 2012, projeção de uma montagem digital de autorretratos de diferentes épocas.

Cada foto polaroide é vista ao mesmo tempo como um elemento do conjunto e como uma imagem autônoma, e a relação entre a imagem global e as imagens fragmentárias não é de simples soma, de encaixe unitário e homogêneo. Ao contrário, tudo é um problema de desenquadramento, de defasagem, de descontinuidade. Por exemplo, os diversos polaroides que compõem a representação do corpo de um modelo não foram feitos do mesmo ângulo ou da mesma distância, ou da mesma posição etc. E essa variação perpétua de pontos de vista, ao introduzirem uma pluralidade de espaços (e até de ações) na obra, introduz simultaneamente o tempo no dispositivo. Se existirem 180 fotos de polaroide (15 x 12) em Autorretrato com Dominique, isso quer dizer que existem 180 tomadas distintas, portanto 180 momentos de tempo diferentes no quadro, com todos os efeitos perceptivos que isso pode provocar no espectador. Eis o que este último trabalha: a instalação posiciona-o de tal maneira que ele não pode mais apreender a obra de maneira unitária: ele já não ocupa a posição de domínio; a unicidade de tempo e de lugar da percepção da obra, que fundamentava essa posição, não é mais possível, estourou, como numa obra cubista; e o espectador flutua, não sabendo mais o que fazer e para onde olhar. Efeito-escultura.

DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico. Papirus: São Paulo, 2011, p. 296.


















CRO, Flávio. Das Impossibilidades do Autorretrato II, 2012, projeção de um ensaio digital de autorretratos no espelho.


E esse esforço sem fim de representação de si enquanto está se representando só resulta finalmente num emaranhado de linhas intercaladas.

DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico. Papirus: São Paulo, 2011, p. 125.


A série de ensaios Impossibilidades foi apresentada durante a II semana da fotografia de Belo Horizonte no galpão 104. Lidando com essa problemática do autorretrato, elaborei três propostas que seriam projetadas durante a mostra, cada uma tentando pensar fotograficamente a questão.




II Semana da Fotografia – Galpão 104 — Praça da Estação. Fotografia: Robim Martins.


















CRO, Flávio. Das Impossibilidades do Autorretrato I, 2012, projeção de um ensaio digital de autorretratos de sombra.

[...] a pintura nasceu do fato de se "ter começado por delimitar o contorno da sombra humana"

Finalmente, essa figura de sombra projetada, puro índice, que só existe na presença de seu referente, deverá ainda ser duplicada por um desenho que virá fixá-la por decalque direto.

Por outro lado, o próprio processo de surgimento da sombra é instantâneo, ocorre por inteiro de uma só vez sob o impulso luminoso (enquanto a projeção de pó era progressiva e fazia-se por parte). Esse jogo de modificações nos aproxima cada vez mais do dispositivo fotográfico [...]

Essa versão pelo menos introduz duas modificações notáveis com relação à narrativa precedente: em primeiro lugar, introduz a referência a Deus e à criação do homem como modelo original da representação; em segundo lugar, e referindo-se ao próprio texto de Plínio, transforma o retrato de sombra do outro em autorretrato de sombra. 

Tomar como modelo da representação a Criação do homem por Deus é remeter, [...] à imemorialidade mítica de qualquer origem [...] e é igualmente colocar Deus como Grande Pintor Original. Por extensão, é tornar todo pintor não justamente um deus, um creator ex nihilo, mas um sujeito que já foi criado e que só faz imitar, copiar, reproduzir (imperfeitamente) a obra e o gesto do Grande Genitor [...] O índice não é mais o desenho, o signo pictural, mas é próprio ato de pintar concebido como decalque e como memória, como escala e retomada da Criação divina, da qual procede realmente (na ordem da crença), pois o pintor é uma criatura de Deus e opera com o que Este lhe forneceu.


[...] a fábula situa explicitamente a própria origem da pintura no narcisismo [...] o que não pode deixar de remeter [...] a esse autorretrato absolutamente original que foi a criação do homem à própria imagem de seu Criador [...]


Sabe-se que qualquer autorretrato condensa na mesma pessoa duas instâncias bem distintas do processo de representação: o objeto a ser pintado e o sujeito que pinta. 


Vemos portanto que o que Vassari diz ser a Origem da pintura é de fato a história de uma impossibilidade figurativa.


De fato, apenas uma coisa poderia tornar possível a condensação instâncias do autorretrato de sombra: seria que a representação se realizasse por inteiro de uma só vez [...]

[...] não existe praticamente um único fotógrafo importante que não tenha voltado contra ele sua caixinha negra -, a representação de si através da foto de sua sombra constitui com certeza uma das três ou quatro grandes modalidades do "fo(au)torretrato" - ao lado do espelho, do disparador automático e do disparador de efeito retardado.


O narcisismo indiciário do autorretrato só pode se realizar teoricamente na petrificação fotográfica. 



DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico. Papirus: São Paulo, 2011, p. 117 à 128 (fragmentos).