Figura
1 e 2:
CRO, Flávio. O Vigia/Watchman. 2016, ready-made com relógio da marca Citzen e caixa.
10 x 6 x 20 cm (caixa aberta)
Fonte: Acervo do Artista.
CRO, Flávio. O Vigia/Watchman. 2016, ready-made com relógio da marca Citzen e caixa.
10 x 6 x 20 cm (caixa aberta)
Fonte: Acervo do Artista.
O título do trabalho: O Vigia/Watchman, foi construído como um jogo de palavras que articula diversos termos e significados como vigia ou vigilante em português e em inglês (watchman), que quando decomposto forma relógio em inglês (watch) e homem (man), dando a entender uma outra forma, a de “homem do tempo” que também significa vigia ou vigilante; além da palavra (citzen), estampada na caixa, que pode ser traduzida como cidadão em português, mas que também é apropriada pela marca do fabricante do relógio, como seu nome.
A
associação dessas palavras, como num quebra-cabeças, pode gerar as
mais variadas leituras, como por exemplo: O cidadão (citzen) é
aquele que possui o tempo em suas mãos, a marca lhe vende o tempo,
para que possa usá-lo, ou, pelo menos, medir seu uso. Watchman,
também lembra “Watchmen”, título do quadrinho de Alan Moore e
Dave Gibbons de 1986, no qual a necessidade de vigilantes/heróis, de
protetores ou cuidadores, para vigiar e punir os cidadãos/citzens, tomados como vilões é contestada em uma série de protestos,
sintetizados nas pichações: quem vigia os vigilantes? (who watches
the watchmen?).
Figura
3
Figura 3: Fotografia da página 58 do quadrinho Watchmen, na qual aparece a pichação em português.
Fonte: acervo do artista.
Figura 4
Figura 4: Fotografia de uma da página do quadrinho Watchmen, na qual aparece a pichação em inglês.
Fonte:<
https://mirandalello.wordpress.com/2014/06/19/watchmen-the-superhero-comic-to-end-superhero-
1986
é um data muito próxima a 1984, data que nomeia o romance de George
Orwell, no qual ele apresenta um grande vilão: o Big Brother (Grande
Irmão ou Irmão mais Velho), que soa como o intuito da proteção do
familiar, mas atua como símbolo máximo da sociedade de controle da
qual nada pode escapar aos seus olhos vigilantes. Para tornar essas
relações mais visuais, apresento um dos cartazes do filme no qual
aparece a frase: “big brother is watching you”.
Figura 5
Figura 5: Cartaz
do filme 1984 de George Orwell.
Fonte:<
https://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Irm%C3%A3o
>; acessado em 03/06/2016
Watches,
Watching, Watch…
A pichação que aparece nas páginas dos quadrinhos de Watcmen
segundo o que consta no verbete da Wikipedia, é uma tradução
retirada de uma sátira de Juvenal a
qual seria
uma tradução do latin:
"Quis
custodiet ipsos custodes",
além
de apontar que a
pichação extrapola
tais
páginas aparecendo nos muros de diversas cidades; o
que podemos
entender como
um desejo de
um poder maior que vigie os vigilantes. No caso dos quadrinhos, esses
“heróis” superpoderosos, alguns super-humanos, respondiam ao
Estado… Observando no trabalho a palavra
“citzen”
(cidadão), aparece estampada na caixa que
pode ser
facilmente fechada, cobrindo então o poder do “vigilante do
tempo”. A proposta parece supor que é o cidadão quem deve exercer
esse controle sobre o vigilante, cobrindo-o com o seu poder…
Figura
6
Figura 6: Pichação
anônima nas Ruas.
Fonte:<
https://pt.wikipedia.org/wiki/Watchmen
>; acessado em 03/06/2016.
Não
vou entrar na possibilidade de anestesiação desse poder do cidadão,
através da manipulação do desejo voierístico da população por
um série de televisão que herda o nome do vilão de Orwell, pois
seria alongar demais. Mas vou relacionar o quanto os trabalhos e as
relações suscitadas pelo mesmos parecem ter bebido de uma fonte:
Vigiar e Punir, de FOUCAULT (1987), uma vez que nesta obra a análise
do controle exercido pelo poder, faz crer que se distancia cada vez
mais dos corpos encarcerados, cujo tempo foi roubado, para se
aproximar da imagem, da alma, daquilo que informa o próprio Eu do
cidadão ou seja para o controle da informação. Uma vez que o
domínio sobre ela poderá significar o poder sobre a criação e/ou
reconstrução dos corpos através da manipulação dessa informação…
Mas
o relógio do trabalho está parado, um relógio parado perdeu a sua
função de vigilante do tempo,
não pode mais nos vender a noção de tempo, pois ela cessou… Uma
vez parado, desfuncionalizado ele só ostenta a sua característica
de adorno, de enfeite, de joia… Um objeto sem função pode então
assumir a forma de objeto de arte… Pode-se pensar que agora esse
vigia do tempo está “Fora do Tempo”, tomando emprestado as
palavras de AGAMBEN (2009), uma vez que se recusa a sua função de
medir o tempo, está livre para articular diversos momentos no
“presente”.
Segundo CAUQUELIN (2011), o tempo é um dos componentes essenciais para entendermos as práticas contemporâneas que visam o processo em relação ao produto. Assim trabalhos que lidam com a noção de passagem do tempo, ao se recusarem a apresentar um objeto único e estático, atentam para um fato que passou despercebido, que toda obra é resultado de um processo de construção. Não se trata de atestar a supremacia do processo em relação ao objeto final, mas somente de demonstrar, que assim como toda obra é interativa, relacional, etc.; o processo também consta como uma das essências de uma obra, seja ele físico ou mental. Nesse sentido podemos recrutar o conceito de GROYS (2010), daqueles que são contemporâneos como sendo “camaradas do tempo”, atuando como uma espécie de colaboradores dessa arte do tempo ou processual. Assim o vigia do tempo pode ser apontado, também, como alguém que colabora com o tempo, que o documenta, que mostra que, em essência, todos os processos se conectam nele, mesmo quando não têm mais função de precisá-lo…
Referências
AGAMBEN,
Giorgio. O
que é o contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó:
Argos,
2009.
CAUQUELIN,
Anne. No
Ângulo dos Mundos Possíveis.
São
Paulo: Martins Fontes, 2011.
FOUCAULT,
Michel. Vigiar
e Punir: nascimento da prisão.
Petrópolis: Vozes, 1987.
GIBBONS,
Dave; MOORE, Alan. Watchmen,
São Paulo: Panini, 2009.
GROYS,
Boris. Camaradas
do tempo.
In:
Caderno
SESC videoBrasil,
vol.6. São Paulo: Edições SESC SP: Associação Cultural
Vídeobrasil, 2010.
MIRANDELO.
Watchmen
the Superhero Comic to end Superhero.
Disponível
em:
<https://mirandalello.wordpress.com/2014/06/19/watchmen-the-superhero-comic-to-end-superhero-comics/
>.
Acesso em 3 de junho
de 2016.
WIKIPEDIA.
O
Grande Irmão.
Disponível
em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Irm%C3%A3o>.
Acesso em 3 de junho
de 2016.
WIKIPEDIA.
Watchmen.
Disponível
em: .
Acesso em 3 de junho
de 2016.