sexta-feira, 23 de maio de 2014

Leilão 1,99


CRO, Flávio. Sem Título, 2013, objeto, livro: Don Quijote; atado com arrame farpado e engaiolado, 35 x 30 x 30cm.

O leilão de Arte 1,99 iniciou com uma exposição que ocorreu entre os meados de fevereiro e março de 2014, no Palácio das Artes, por iniciativa do coletivo Piolho Nababo e culminou num grande leilão de arte, - de alguns dos trabalhos exposto -, para mais de 800 pessoas no dia oito de março.

A proposta que é singularmente irreverente, nasceu a partir de uma carência dentro dessa micro região do mercado de arte amador, que se pratica em Belo Horizonte, como uma forma de abrir brechas e criar novas possibilidades comerciais e artísticas, nesse espaço fechado e estagnado dentro da bolha de uma pequena elite.

Aberto a todos aqueles que quisessem levar algum trabalho, bastando para isso assinar um "pseudo termo de compromisso", o coletivo Piolho Nababo foi se apropriando de diversos elementos icônicos do comércio da arte para subverter ironicamente o sistema de seleção e o veto a venda de trabalhos da instituição, uma vez que as únicas formas de se ocupar as galerias do Palácio das Artes é sendo selecionado por um edital formal, alugando-as, ou através de ações que, como essa, escancaram as portas da instituição e integram a venda como uma parte essencial e que não pode ser censurada à dinâmica da proposta. Afinal ainda é, socialmente, custoso admitir que a potência da paixão desses artistas não os capacite a viver de ar...

 










fonte: https://www.facebook.com/media/set/?set=a.603647196373546.1073741828.210535522351384&type=3
O espaço da crítica...

"O Piolho detém a visibilidade! Mas o trabalho é do Piolho!"

O leilão em si, é mais do que um happening, cintando uma amiga: "é como uma grande performance...", na qual todos os artistas atuam em seus próprios papéis de vida e podem, inclusive, experimentar outros. Da inocência das expectativas, das frustrações ao medo, é impossível generalizar, cada leilão é um caso particular. Seria possível proteger a todos da possibilidade do sofrimento? Seria isso desejável? Como saber que o "herói" de um determinado evento será o "vilão" de outro? Como avaliar a força do outro? Como saber se a experiência o protegerá da dor? Todas são perguntas cujas respostas só podem advir da participação, individual ou coletiva, mas que, muitas vezes, pode ser visivelmente compartilhada ou angustiantemente solitária.

Perceptivamente a exposição foi se construindo como um gabinete de curiosidades, no qual o bidimensional imperou. Destoando das apresentações contemporâneas, mas sintonizado com a prática comercial atual, por ser mais vendável, colecionável, mais prático ou desejável, já não sei; fato é que, o leilão, gera uma ansiedade nos participantes, em sua maioria iniciantes, uma angústia que se presentifica na possibilidade de ser reconhecido ou não: será que meu trabalho será vendido? Será vendido barato ou será valorizado? As pessoas quererão o meu trabalho?  Esse "pânico" da destruição - embora nesse leilão tenha ficado aparte da proposta - ou da não valorização, cria a tendência, em alguns participantes, a oferecerem somente os "piores" exemplares  de seus trabalhos, como chegar a tal classificação já é uma mistério, as possibilidades são muitas. São poucos os "corajosos" que expõem  excelentes peças, embora não as leiloem, cabendo aos mais destemidos, ou desapegados, encarar as dúvidas de peito aberto, para se alegrar ou cuidar das chagas depois. Contudo é preciso coragem, em medidas diferentes, para se propor ao desafio de ser destruído ou de ser vendido, de ser rejeitado ou aceito pelo mercado, para ser um amador de qualidade profissional, ou profissional de qualidade amadora.

Apego e desapego, o luxo e o lixo são faces da moeda que circulamos, uma eterna dúvida na Arte: Isso vale algo? Vale pra quem? Isso deve ser preservado ou destruído? Vivemos numa sociedade na qual o preservacionismo se tornou um preciosismo, preservamos coisas que não sabemos como preservar, nem para que, já o para quem... Assim, para mim, o leilão têm um papel singular nesse momento, exatamente por tocar nessa ferida no orgulho dos artistas. As respostas claramente são de momento, vale para uma parte daquele público que está ali, não vale para outra e é duro passar por esse crivo do julgo popular instantâneo, mas que não é inocente, muitos que ufanam uma peça estão vinculados a construção histórica, pessoal e artística de determinado participante e se usam disso para sobrevalorizar certas obras em relação as outras. Sou tendencioso ao achar que preservar vale ao Sistema da Arte, pois para aqueles que sobrevivem ao duro teste que nos impõem, para aqueles que não desistem, há a recompensa do trabalho se valorizar como moeda de troca, moeda essa já nas mãos de outros, trocada entre outros, outros esses que nunca somos nós... Nesse sentido, o profundo incômodo que esse ato de destruição, de um trabalho de "Arte", detona pode estar ligado ao egoísmo histórico do artista, um atentado contra o valor desse altruísmo forçado imposto aos louros de sua vitória, da qual jamais sentirá o gosto de ser sua, uma vez que sacrifica tudo que têm em favor do outro... 

O ponto é que, essa é uma das estratégias contemporâneas - mesmo que visualmente se disfarce de pré-moderna -, que mesmo com falhas, abre brechas no sistema da arte. Através das rachaduras incluem outros agentes interessados, tornando-se uma das práticas mais politicamente eficientes para a junção de esforços que vivenciamos nesse momento, mesmo e uma vez que, como proponentes, a ideia e a iniciativa ao coletivo pertença, a mesma só ocorre através da adesão de outros, ela passa a existir a partir de uma moeda: a visibilidade. Atuando como um coletivo que detêm uma determinada quantidade dessa moeda, conquistada por mérito de reconhecimento público, de participações em editais, atuações underground, convites e etc., vão se associar a outros, artistas ou não, que também detêm sua cota e a partir dessa associação efêmera passam a expandir o potencial de se colocarem em evidência, de apresentar a todos esses atores a força de suas propostas, incitando um diálogo com esses que se reuniram não por acaso, mas por um esforço conjunto num instante de coletivo efêmero.

Ao misturar aqueles dois aforismas críticos, mais ao alto, numa única sentença, resumo a máximas das posições sobre o leilão. Iniciado na metáfora da moeda, logo acima e preparado nas palavras de um amigo artista: "É fácil desarticular tal proposição criticamente...". Mesmo que de cada leilão participem atores específicos, obviamente o leilão, em si, ganha uma visibilidade maior do que as obras leiloadas, por seguinte as obras, o espaço expositivo e lá por último os artistas. Ou seja, embora articule uma outra instância do mercado, ele também reproduz, toma de empréstimo, diversos arcaísmos dessa grande esfera do mercado a qual pertence, em menor instancia, satiricamente, criticamente, mas ainda as detém...

Não há como resumir a experiência, portanto, não deixo de participar, de tomar de empréstimo e de emprestar!


CRO, Flávio. Sem Título, 2013, objeto, livro: Don Quijote; atado com arrame farpado e engaiolado, 35 x 30 x 30cm. 

Coletivo Akael. Martelinho de Ouro, 2014, apropriação. 








Marconi Marques - ao centro - dentre outros corajosos




Clarice Steinmuller